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Conversa com um filho adolescente... e imaginário!





- Pai, pai, cadê você?
- Tô aqui, canalhinha!
- Você está chorando, canalhão? (depois do Nelson Rodrigues, esse é um carinhoso modo de tratamento em lares conservadores)
- Qual é o problema?
- O Pablo disse que "homem não chora"!
- Qual Pablo? O que fez carreira às custas de canções que colocam os homens na condição de escravos de xoxotas? Ou, do que vive como quem crê que possui uma xoxota?
- O primeiro Pablo.
- Enfim, ambos sabem de nada, e são somente produtos de mercado, frutos de uma falsa demanda de gente que não percebe que seus próprios sentires e quereres - nem isso mais - os pertence.
- Entendi porra nenhuma, pai!
- No futuro, quando cursar o curso de Filosofia, há de começar a entender. Somente evite o povo que anda e vive em função do DCE.
- O que é DCE, macho?
- Canalhinha, é um lugar onde se reúnem as pessoas que aparentam se importar com as necessidades alheias, nesse caso os estudantes. Mas, na verdade, é somente o estágio para essa galera evoluir para níveis mais altos de falsa piedade extremamente lucrativa. Ideologias lucram! Sabe, filho... deixa pra lá. Tudo tem seu tempo.
- Sim, pai, entendo. Voltemos ao seu choro.
- Sim, sim!
- Why do you cry?
- Pôrra, lelek, tá debulhando na gringa! Se jogue mermo, pivete!
- Que dialeto é esse, pai?
- É a voz da perifa que não sai do sangue do seu coroa. Mas, voltemos ao meu choro.
-Sim, o que houve? Nunca vi você chorar!
- É um embrulhado e misturado choro de ódio, desprezo, solidariedade, compaixão...! Humanos são assim, a morada das ambiguidades.
- Mas, o senhor acabou de chegar de uma reunião política, com a presença de deputados, prefeitos, e líderes religiosos...
- Exato, filho, meu choro é exatamente por pensar nas semelhanças que ambas as classes têm, inclusive em seu desprezo pelo povo, e no uso de seu sofrimento e desesperada esperança como capital político.
- Pai, fale de uma maneira que um adolescente como eu possa entender.
Ok, tá bom! Já viu como nosso país é enorme, rico, e ao mesmo tempo tão desigual e cruel? Então, nada demais: um povo aperfeiçoa sua solidariedade e mutualidade com o passar das gerações. É um aprendizado. Até esse ponto não há maldades dolosas... escrôtas, quis dizer.
- Sim, continue pai, estou lhe acompanhando...
- Então. No meio desse processo de buliração...
- O que?
- Refinamento, aperfeiçoamento, ajuste, adequação...
- Sim, pai, continue...
- Então. Em meio a esse processo, ao ouvir o clamor dos desesperados, oportunamente, essas classes percebem o quanto a dor e a necessidade fragilizam, desnutrem, capturam a preocupação destas pessoas das maneiras mais emergenciais - a fome e a tragédia têm pressa - e as oferece um pacote de falsas esperanças.
- Pai, mas isso não é vender ao faminto e miserável uma sopa de vento?
- Sapôrra é meu filho mesmo! É exatamente o que eu quis dizer, canalhinha.
- Que cruel! Continue, pai! Me amargure mais.
- Pois não, meu orgulho.
- Continuando...! São pessoas que, não podendo - ou na maioria das vezes, não querendo mesmo - prometem aos desfavorecidos (que são a enorme maioria) a satisfação dos seus anseios mais imediatos e originais, por meio de um pacote de ilusões. Manipulam o sofredor! Instrumentalizam o sofrimento! Transformam a tragédia humana em capital político e financeiro. Lucram com a miséria humana! Bando de escrôtos!
- Calma, pai! Agora, além de chorar, o senhor grita que nem uma menina!
- Isso é machismo, moleque!
- Ui! Tá falando que nem um militante!
- Me respeita, malandro! Há uma enorme diferença entre honrar uma mulher, e ser um verborrágico e ineficaz feminista! Não vê como trato a sua mãe e irmãs? Não confunda o poder de um exemplo com a ilusão de um discurso sem propriedade.
- Tá bom, pai, desculpa.
- O oposto de progressista é CONSERVADOR e não a pôrra de um reacionário escrôto, burro, e que fica papagaiando legendas e discursos. Isso é coisa de trotskista!
- De que?
- Daqui a uns poucos anos, quando conhecer a galera do DCE, você saberá o que é. Voltando...
- Sim, sobre a semelhança entre líderes religiosos e políticos.
- Isso, meu filho. Mas uma ressalva é importante, mesmo sendo breve: líderes religiosos já foram importantes, honrados e, acima de tudo, altruístas. Faziam a mais nobre das artes, de fato, políticas: a prática da misericórdia. Políticos, não. Esses sempre foram, via de regra, félas da puta mesmo.
- Anotado, pai. Gosto de ouví-lo falar, sentir seu entusiasmo. Por isso que a mamãe sempre fala "mô, calma, olha o coração!". Risos!
- É, sua mãe têm dessas mesmo. Ela não sabe que o coração é a ÚNICA COISA que um homem possui, e que pode chamar, inarredavelmente, de seu. Outros chamam isso de "Consciência".
- E lá vai o senhor "dando a volta na roça" , como a mamãe, também, fala.
- Sua mãe gosta de me irritar, desde sempre. Tá bom. Então...
- Sim...
- Fui a essa reunião. Nesse período eleitoral são mais frequentes que nunca. E vi tanta gente simples, carente de cuidado e de assistência, faminta de esperança...! E vi também magistrados da sociedade, as pessoas que estão nas melhores condições de fazer algo, que exercem cargos públicos executivos dado exatamente por essas pessoas simples e necessitadas. E , o que eles fazem? Utilizam-se dessa fome de pão e de esperança do povo para manipulá-los cada vez mais. É triste!
- Pôxa, pai. This is so sad!
- Tá bom, para de gastar seu british.
- Beleza, lelek!
- Isso, assim está mais próximo de nós.
- Certo, pai. Continue...
- É isso, filho. Não há conclusões. Não sei o que fazer. Como disse, é somente um misto de emoções amargas...! E sabe mais?
- Sim, coroa!
- A maldade humana é comunitária. O mal é muito mais solidário que o bem.
- Como assim, meu magnata?
- Meu filho, eu vi - pasme - gente que é componente dessa maioria fodida de nosso povo, e que, ao invés de representar ali os clamores de seu guêto, desenvolverem também seu próprio modo de, também, lucrar com a desgraça. Cê entende o que é isso? O cara resolve saltar pro lado da corda que jamais arrebenta, e do lado de lá, ele fode foderosamente o seu, já fodido muitas vezes, povo. Uma espécie de "alpinismo social por via política".
- Daddy, I don't believe!
- Parou com o desfile britânico, herdeiro de Windsor?
- Desculpa, pai ; tô praticando.
- Pois é. Vi gente que, do alto de sua posição eclesiástica e política, fode o povão. E, vi gente que compõe a parcela fodida, mas que começa a escalada com intenção de compor a parcela que fode o povão. E, pior ainda : tudo isso eivado de um discurso filantropo, explodindo os caralhos de tanta falsa piedade, todos eles! Canalhas! Canalhas! Canalhas! O Nelson Rodrigues estava certo ; canalhas!!
- Pai, o senhor percebe que temos um dilema aí, né?
- Sim, eu sei. A gente fica com uma marcada impressão de que é algo constitutivo da espécie humana foder o outro.
- Exato, meu menestrel!
- Isso, trate seu pai assim, usando termos defasados e elegantes.
- O senhor é engraçado!
- A priori, já penso que a humanidade é inclinada à maldade e cobiça mesmo, mas não me conformo com a conformidade. Não precisamos ser o que somos. Não precisamos ser donde viemos. Não precisamos ser o que sofremos, as fomes que passamos, o chão duro do Sertão em que pisamos. Esse é o legado do Kirk, filho - o Russell , não o capitão da pôrra de uma nave espacial - é melhorar o que fomos através da observância dos erros dos antepassados. O futuro é feito dos erros que não precisamos repetir, das cobiças que, mesmo a nos espreitar e compor, não precisam - não podem!! - serem satisfeitas.
- Sim, meu pai...
- Talvez esse seja o início de um mundo melhor pra todos : aquele que comece na decisão de indivíduos comuns em não repetir os erros dos pais. Como já dizia alguém : "os pais são melhorados nos filhos!". Lanço sobre você essa responsabilidade, young man! Essa é a minha herança, filho, o dever que você terá de ser melhor que eu. E, se todo filho agir assim, talvez o mundo, um dia, seja melhor para os filhos dos filhos.
- Pôxa, pai, assim eu quem choro!
- Seja mais esforçado em ser honesto que eu. Seja mais leal aos poucos amigos que eu (homens leais têm poucos amigos!). Não adira a movimentos políticos coletivistas: ampare os ombros fragilizados dos que sucumbem ao seu lado, embaixo do seu nariz. Todo extremismo é estúpido, por isso opte sempre pela ponderação : é melhor ser chamado de "isentão", que fundamentar suas convicções em uma leviandade. Honre e cuide de sua mulher mais do que me vês a fazer por sua mãe. Adote um cachorro : é a melhor maneira de saber se você está pronto pra receber amor gratuito e importunação diuturnamente ; e somente depois disso pense em ser responsável por outro humano. Tenha convicções políticas mas, JAMAIS, tente dissuadir alguém na perda de tempo das discussões : um homem que cuida dos seus e dos que estão próximos é o mais incontestável discurso político. Me prometa isso, pois um homem se faz de promessas, mesmo que muitas delas quebradas. O compromisso nos constrange, impele...
- Sim, meu amado pai, homão da pôrra, eu prometo!!
- Ótimo! Agora, somente mais uma coisa...
- Sim...
- Desenvolva a espiritualidade que achar melhor pra você, ou viva sem espiritualidade mesmo (caso suporte essa miserável condição), e também seja atuante nas questões políticas de sua comunidade (uma vida vivida somente pra si é desonrosa e fútil), mas, por favor...
-Sim, pai...
- Jamais...
- Sim, pai, diga...
- Jamais se torne um profissional político ou um líder religioso ; jamais se torne alguém que usa da desgraça de seu semelhante como palanque e púlpito!
- Eu prometo, velho!
- Amém!




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