O
fim do século XIX e início do XX foi um período extremamente
turbulento do lado de lá do Atlântico, principalmente concernente à
disputas de territórios. Do lado de cá do Atlântico estávamos em
um processo mais internalizado: questões raciais, questões
envolvendo os nativos latino-americanos, e questões envolvendo as
dimensões da atuação do Estado (período repleto de golpes e
ditaduras, e de "movimentos de independência" ). Mas, como
eu disse, do lado de lá do Atlântico as coisas ainda se pareciam
com jogos de tabuleiro, daqueles tipo "War".
A
expansão inglesa e francesa em colônias africanas e asiáticas, as
tensões no Leste Europeu - sempre envolvendo a Rússia - juntamente
com parte do Oriente Médio (Vide Guerra da Rússia x Afeganistão).
Ainda tem o poderoso projeto de Friedrich, O Grande, e o famoso
Império Prussiano (idéia revisitada no século XX).
No
início do século XX temos a Primeira Grande Guerra, e os movimentos
de êxodo são alarmantes, mas ainda seria pior 24 anos depois, com o
início da Segunda Grande Guerra, em 1939.
No
meio desse conturbadíssimo período de troca de poderes, invasões
territoriais, aspirações ditatoriais, milhões de pessoas fugindo
de seus países, e muito sangue derramado, nasce a Copa do Mundo, em
1930; cuja primeira edição foi sediada e vencida pelo Uruguai.
Em
1934 já temos a primeira trêta, digamos, geopolítica, com o
Uruguai se recusando a participar do Mundial que seria realizado na
Itália, este estratégica e politicamente arquitetado pelo assassino
(esse sim, Fascista, na acepção correta do termo) Benito Mussolini.
Nessa Copa - 1934 - já temos a atuação de um jogador e imigrante
argentino jogando pela seleção Italiana, o Luis Monti. Obviamente a
Itália ganhou o Mundial, como também o seguinte, realizado na
França em 1938. Nesse Mundial de 1938, já temos a ausência de
equipes que já sofriam os movimentos antecedentes à Segunda Guerra,
como Espanha e Áustria (aquela devido à uma ditadura, e esta já
invadida pelo projeto ariano do Adolfinho).
Depois
disso, o mundo enfrenta seu segundo Apocalipse, e a Copa do Mundo
ficou suspensa nas edições de 1942 e 1946, voltando somente em
1950, here in Brazil.
E
a Copa voltou, e passou por tudo que é lugar. Suíça, Suécia,
México, Espanha, Argentina, Estados Unidos, Inglaterra, Chile,
Alemanha, França, África do Sul, Coreia do Sul, Japão, Rússia,
etc. E esse torneio recebeu, a partir de 1950, um novo mundo, cujas
alterações marcantes das guerras deixaram, principalmente, o legado
da diversidade étnica provocado pela horda de refugiados que se
espalhou pelo planeta, justificadamente.
Sendo
assim, a Copa do Mundo SEMPRE trouxe em seu bojo os conflitos
políticos vivenciados pelos países que dela participaram. Me lembro
de, no início dos anos 90, ter visto jogar seleções que nem
existem mais, e outras que nasceram após esse período : a maioria
delas frutos da capacidade russa de viver em paz (ironia). A Croácia,
finalista desse ano, é um desses exemplos.
É
tão óbvio - quanto estúpido - ser necessário afirmar que todo
esse processo político agitado dos últimos 100 anos, derivou na
participação constante de imigrantes naturalizados pelas seleções.
Imigrantes
jogaram, praticamente, todas as Copas. Alguns imigrantes perderam,
como os alemães de 2006. Outros imigrantes venceram, como os
próprios alemães em 2014, e os franceses de 2018; e que poderiam
ter vencido outros refugiados de guerra, os croatas. O maior
artilheiro de uma só edição de Copa, com 13 gols no torneio, foi
um imigrante marroquino naturalizado francês : Just Fontaine. O
craque de uma das maiores seleções de todos os tempos - Ferenc
Púskas, da Áustria - que arrebentou na Copa de 1954, teve que
defender a seleção espanhola em 1962. E, um dado particularmente
nosso: o primeiro capitão brasileiro que levantou a taça em 1958, e
que começaria nossa história de glória no futebol, era filho de
imigrantes italianos : o Bellini.
Essa
é uma marca do mundo moderno, resultado da nova configuração
política e geográfica deixada pelas Grandes Guerras. Tornar a
vitória da França - negra tendo em imigrantes metade de sua seleção
- numa plataforma ideológica, como se fosse um momento novo na
história, e provocado pelas geniais políticas progressistas, ou
usar isso contra as Políticas de Imigração de alguns países, é
incorrer em muitos e desrespeitosos erros. Principalmente, se levado
em conta as críticas ao país - França - que, junto à Inglaterra,
é o maior refúgio de vítimas da Europa.
Já
chegou a hora d'os camaradas progressistas pararem de brincar com a
inteligência alheia, com a história de nossa civilização, e
também, pararem de suscitar esse ódio de classes e etnias somente
para justificar aquela crença obtusa, defasada e ressentida que os
move : a do conflito de classes.
A
Copa já nasceu política, com o Uruguai inaugurando o estádio que
comemoraria o Centenário de sua Constituição, e continuará sendo
política até quando nós formos : e parece que seremos pra sempre.
Então, convenhamos : é muita desfaçatez e/ou ignorância,
transformar a vitória da "França Negra e Estrangeira" num
libelo progressista, ou em revanchismo político.
E
num momento de profeta do óbvio, afirmo: depois destes últimos
conflitos de nossos dias, como a barbárie na Síria, os tumultos no
Egito, no Iraque e no Afeganistão; ou a questão que envolvem Rússia
e Ucrânia na região da Criméia, acostumem-se aos muitos pódios
que vocês verão, em que refugiados desses novos conflitos
levantarão troféus em defesa de outras bandeiras, como se viu nessa
semana na Rússia, ironicamente um dos maiores países-patrocinadores
da Diáspora Moderna.